Solvência bancária: Por que os bancos quebram? - Capítulo 2: A extinção de bancos americanos em 2008
No segundo capítulo da série "Solvência bancária: Por que os bancos quebram?" vamos olhar para um período conturbado da história bancária americana, ocorrida em 2008. A Subprime Mortgage Crisis ("Crise das hipotecas subprime") ou "The Great Recession ("A Grande Recessão"), foi um capítulo sombrio na história dos Estados Unidos (e do mundo), caracterizado por uma série de falências bancárias que levaram instituições centenárias a encerrarem suas atividades, como foi o caso do Lehman Brothers.
Vou apresentar as circunstâncias que levaram à extinção de alguns dos principais e mais conhecidos bancos deste período. Além disso, ao final deste capítulo, farei comentários sobre esses casos específicos. Os bancos em questão são:
- Banco Bear Stearns
- Banco Merril Lynch
- Banco Lehman Brothers
Vamos as históras:
Lehman Brothers
O ponto de partida da insolvência do Lehman Brothers reside no boom imobiliário americano ocorrido entre 1997 e 2006, motivado por uma baixa taxa de juros da economia, que motivava as pessoas a compraram imóveis, mas que resultava em um aumento do preços desses imóveis ano após ano, desacelrando esse período de alto em em 2007/2008. O relaxamento dos padrões de empréstimos e a securitização mais ampla de hipotecas de qualidade inferior exacerbaram a crise, apesar das falhas na verificação da qualidade dos empréstimos pelo mercado de capitais. Essa securitização se assemelha aos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) que temos aqui no Brasil.
Em março de 2006, apesar dos indícios de que o mercado imobiliário estava em seu auge, o Lehman Brothers adotou uma nova estratégia empresarial devido à sua vasta experiência nesse setor. Anteriormente, o Lehman adquiria hipotecas, as incluía em ativos securitizados e as vendia no mercado. Mais tarde, passou a incluir suas próprias operações de crédito nesses ativos além de comprá-los como investimentos. Essa mudança, visando aumentar os lucros, resultou na securitização de operações de alto risco, conhecidas como subprime mortgage, devido à baixa capacidade de pagamento dos compradores de imóveis, o que comprometeu a rentabilidade e a avaliação desses ativos no mercado.
Devido à crescente exposição do Lehman a esses ativos, as agências de classificação de risco e investidores expressavam preocupações sobre a crescente iliquidez do mercado de hipoteca e securitização, e às perdas substanciais que outros pares estavam enfrentavam. A reavaliação constante desses tipos de ativos pelo Lehman Brothers contribuiria para significativas baixas contábeis ao longo de 2008.
A partir de meados de 2007, o mercado imobiliário americano começou a enfraquecer, levando Lehman e outros bancos de investimento a serem mais escrutinados quanto ao valor e à liquidez de seus ativos relacionados a imóveis. Agências de classificação de risco e analistas passaram a exigir a redução da alavancagem dos bancos, que tinham duas opções: aumentar o patrimônio líquido ou vender ativos. Embora o Lehman tenha levantado U$6 bilhões em capital adicional no início de 2008, optou pela venda de ativos.
No entanto, essa estratégia provou-se desafiadora para o Lehman. Em janeiro de 2008, o banco implementou uma política de desalavancagem para reduzir suas exposições imobiliárias. No entanto, enfrentou uma alta inadimplência nas operações de financiamento imobiliário, o que levou à execução das garantias e à tomada dos imóveis. O Lehman encontrou dificuldades em vender vários de seus ativos a preços aceitáveis, incluindo os imóveis tomados como garantia, devido à desaceleração do mercado. Além disso, hesitou em liquidar ativos de alta qualidade com descontos, temendo maiores perdas, dadas as já existentes, e a desvalorização dos ativos restantes.
Os ativos de longo prazo do Lehman eram financiados por dívidas de curto prazo, obtendo bilhões em empréstimos diários com outras instituições financeiras. Com a desconfiança do mercado e após o quase colapso do banco Bear Stearns em março/2008, as especulações sobre a falência do Lehman aumentaram, levando a um aumento dos custos de captação e maior exigência de garantia perante as outras instituições financeiras que emprestavam dinheiro para o banco, saques dos recursos de depósitos pelos clientes e dificuldade em honrar demais compromissos de curto prazo, ampliando a sua iliquidez a ponto de ele não conseguir se financiar, resultando em sua falência em 15 de setembro de 2008.
O Lehman Brothers foi adquirido parciamente pelo banco Barclays.
Bear Stearns
A falência do Bear Stearns, ocorrida em março de 2008, foi o desfecho de uma série de fatores complexos e inter-relacionados. Inicialmente, a empresa estava profundamente exposta aos derivativos de hipotecas subprime, especialmente por meio de seus fundos de hedge. Esses instrumentos, que estavam ligados a hipotecas de alto risco, foram duramente atingidos pela crise imobiliária que começou a se desenrolar em meados de 2006. A exposição a esses ativos arriscados se revelou catastrófica quando o mercado imobiliário entrou em colapso.
Além disso, o Bear Stearns operava com uma alavancagem extremamente elevada, chegando a uma relação de 35 vezes seus fundos investidos. Essa alavancagem excessiva exacerbou os riscos e amplificou as perdas quando os valores dos ativos começaram a declinar. A empresa também enfrentou sérias deficiências na gestão de risco, incluindo a subestimação dos riscos associados aos derivativos de hipotecas subprime e uma falta de diversificação adequada dos investimentos para mitigar esses riscos.
Apesar de estar sujeito à supervisão de várias agências reguladoras, como a Securities and Exchange Commission (SEC), o Bear Stearns conseguiu contornar algumas regulamentações e evitar uma supervisão mais rigorosa de suas atividades e riscos. Isso expôs uma lacuna significativa no sistema regulatório, onde as regulamentações existentes não foram capazes de detectar e prevenir os problemas que levaram à falência.
Além disso, a crise de confiança, e liquidez, desempenhou um papel crucial no colapso do Bear Stearns. A deterioração do desempenho dos fundos, juntamente com a exposição crescente a ativos de baixa qualidade, resultou em uma retirada em massa de fundos e uma crise de liquidez que a empresa não conseguiu superar. Essa crise, por sua vez, minou a confiança dos investidores e parceiros comerciais na empresa, aprofundando ainda mais sua crise financeira.
Em resumo, a falência do Bear Stearns foi o resultado de uma combinação letal de má gestão de riscos, alavancagem excessiva, supervisão regulatória insuficiente e uma crise de confiança e liquidez. Esses fatores convergiram para criar um cenário insustentável que eventualmente levou à queda da empresa e destacou as falhas significativas no sistema financeiro e regulatório da época.
O Bear Stearns foi adquirido pelo banco JP Morgan.
Merril Lynch
A falência do Merrill Lynch, em 2008, representa um dos momentos cruciais da crise financeira e do colapso do mercado devido à exposição a instrumentos de dívida complexos afetados pelo derretimento do mercado de hipotecas subprime. E. Stanley O'Neal, CEO da época, liderou a empresa para o abismo, transformando-a de uma instituição renomada em uma acumuladora de ativos tóxicos. O'Neal, ao contrário de seus antecessores, não tinha histórico como corretor de ações, o que o afastou do contexto cultural da Merrill Lynch.
Antes de O'Neal, a receita proveniente de transações de securitização relacionadas a hipotecas residenciais era insignificante para o Merrill Lynch. No entanto, em 2007, essas receitas ultrapassaram os US$ 100 bilhões, à medida que a bolha imobiliária se aproximava do estouro. A exposição da empresa a títulos lastreados em hipotecas subprime atingiu mais de US$ 117 bilhões até o final de 2006, e a incerteza sobre o valor real desses ativos se tornou evidente em 2007.
O desastre se materializou quando Merrill Lynch registrou uma perda de US$ 7,9 bilhões no terceiro trimestre de 2007 devido à desvalorização de seus ativos. No entanto, essa perda não seria a pior da empresa. No quarto trimestre de 2007, Merrill Lynch acumulou uma perda adicional de US$ 8,6 bilhões, encerrando o ano com mais de US$ 10 bilhões no vermelho. O'Neal tentou vender a empresa para o Bank of America e depois para o Wachovia, mas foi removido do cargo por não consultar o conselho sobre essa decisão.
A situação do Merrill Lynch se deteriorou rapidamente com o aumento das perdas associadas a títulos lastreados em hipotecas subprime. Em 2008, a empresa registrou perdas adicionais significativas, totalizando cerca de US$ 42 bilhões em títulos subprime. A falta de supervisão e a exposição excessiva a ativos de alto risco levaram à queda do banco.
O Merril Lynch foi adquirido pelo banco Bank Of America.
Concluindo...
Durante a crise financeira de 2008, diversos setores da economia foram afetados profundamente, não se limitando somente aos três bancos mencionados. Além de instituições financeiras bancários, as seguradoras e até mesmo empresas fora do setor financeiro, como a General Motors (GM) e a Chrysler, enfrentaram sérias dificuldades.
O governo dos Estados Unidos desempenhou um papel crucial nesse período tumultuado, implementando medidas de resgate para evitar um colapso ainda maior do sistema financeiro. O resgate financeiro, conhecido como TARP (Troubled Asset Relief Program) ou Programa de Alívio de Ativos Problemáticos, foi um dos principais instrumentos utilizados. Esse programa envolveu a injeção de capital em instituições financeiras fragilizadas, como Citigroup, JP Morgan e Bank Of America, que permitiu a sobrevivência e evitou um dano maior ainda na economia americana e mundial.
Podemos ver que a quebra de bancos brasileiros ocorridos na década de 90/2000, conforme abordado na capítulo 1 desta série, guarda semelhanças importantes quando falamos de gestão bancária. Apesar das ações que levaram as falências dos bancos brasileiros e americanos serem diferentes, os motivos são os mesmos. Com destque para os 3 abaixo:
- Concessão imprudente de crédito: Tanto os bancos americanos quanto os brasileiros enfrentaram problemas relacionados à concessão excessiva de empréstimos sem uma avaliação adequada dos riscos. No caso dos bancos brasileiros, isso se manifestou através de empréstimos para empresas com baixa capacidade de pagamento e inadimplência crescente. Da mesma forma, os bancos americanos estavam fortemente expostos a ativos de hipotecas subprime, concedendo empréstimos a tomadores de alto risco, o que resultou em altas taxas de inadimplência e falta de liquidez quando a bolha imobiliária estourou.
- Falta de controles internos eficazes: Ambos os conjuntos de bancos enfrentaram deficiências em seus controles internos, permitindo a perpetuação de práticas contábeis questionáveis e fraudulentas. No caso dos bancos brasileiros, isso incluiu a manipulação de dados contábeis e a falta de transparência na divulgação das condições financeiras reais das instituições. Da mesma forma, os bancos americanos foram criticados por sua má gestão de riscos e falhas na governança corporativa, incluindo a subestimação dos riscos associados aos ativos complexos em que investiram.
- Gestão inadequada: Tanto os bancos brasileiros quanto os americanos enfrentaram problemas decorrentes de decisões de gestão questionáveis, como estratégias de expansão desmedida, aumento excessivo da estrutura administrativa e má alocação de recursos. Isso contribuiu significativamente para enfraquecer a estabilidade financeira das instituições e minar a confiança dos investidores e do mercado em geral.
Fontes de informação utilizadas na produção deste capítulo:
As fontes de informações para apresentação do histórico do banco Lehman Brothers foi extraído da fonte: The Lehman Brothers Bankruptcy A: Overview - Wiggins, Rosalind Z.; Piontek, Thomas; and Metrick, Andrew (2019) "The Lehman Brothers Bankruptcy A: Overview," Journal of Financial Crises: Vol. 1 : Iss. 1, 39-62.Available at: https://elischolar.library.yale.edu/journal-of-financial-crises/vol1/iss1/2
As fontes de informações para apresentação do histórico do banco Bear Stearns foi extraído da fonte: Toronto Centre - Case Study On Bear Stearns
As fontes de informações para apresentação do histórico do banco Merril Lynch foi extraído da fonte: The Demise Of Merrill Lynch: Revisiting Its Monumental Write-Down 10 Years Ago (forbes.com)
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